Recebimento da denúncia: fraude à licitação e peculato
A Primeira Turma, por maioria, recebeu denúncia oferecida contra deputado federal pelos crimes de dispensa indevida de licitação e modificação ilegal de contrato administrativo, previstos nos arts. 89 (1) e 92 (2) da Lei 8.666/1993 (Lei das Licitações). Em seguida, o órgão fracionário, por maioria, acolheu a denúncia quanto ao delito de peculato, na modalidade desvio, previsto no art. 312, § 1º (3), do Código Penal (CP).
No caso, segundo a inicial acusatória, o parlamentar, então secretário de Estado, junto com outros acusados, teria — ao deflagrar processo administrativo que deu origem à contratação direta de determinada construtora — concorrido para a dispensa de licitação relativa à reforma de ginásio municipal, sob a justificativa de suposta situação de emergência.
Além disso, o acusado teria participado da celebração de termo aditivo para reforma e ampliação das instalações do ginásio, cujo valor em percentual estaria acima do permitido, bem como da elaboração de parecer jurídico que teria embasado a referida modificação contratual, o que afrontaria o art. 65, § 1º (4) da Lei de Licitações.
A denúncia narra, ainda, que o deputado teria autorizado o pagamento antecipado, sem antes ter observado a efetiva realização das obras, concorrendo assim diretamente para o desvio dos recursos públicos destinados à reforma do ginásio.
Preliminarmente, a Turma afastou a alegação de “bis in idem”. Afirmou que as condutas de dispensar licitação fora das hipóteses legais e de deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa constituem crime único.
No que se refere à dispensa de licitação, assentou, indiciariamente, que não ficou demonstrada situação de emergência ou de urgência.
Rejeitou a assertiva de que o tipo do art. 89 da Lei de Licitações seria inconstitucional. Consignou que o controle de constitucionalidade de tipos penais sob o parâmetro da ofensa ao princípio da proporcionalidade na fixação do “quantum” abstrato da pena deve ser excepcional e comedido e, no caso, não ficou demonstrado.
Quanto ao delito do art. 92 da Lei 8.666/1993, ressaltou que o quadro indiciário aponta que o aditivo contratual extrapolou as meras alterações qualitativas no contrato. Dessa forma, ficou descaracterizado o objeto do contrato. Ademais, os limites legais de alteração aparentemente foram descumpridos, em afronta ao § 1º do art. 65 da Lei 8.666/1993, o qual estabelece escala máxima de 50% para os acréscimos contratuais.
O fato de a dispensa de licitação e de o aditamento do contrato terem sido precedidos de parecer jurídico não é bastante para afastar o dolo, caso outros elementos externos indiciem a possibilidade de desvio de finalidade, ou de conluio entre o gestor e o responsável pelo parecer.
A Turma destacou a presença dos requisitos do art. 41 do CPP para o recebimento da denúncia, até mesmo para o suposto crime de peculato. Sublinhou que há, no inquérito, elementos que indicam a necessidade da abertura da ação penal também em relação ao suposto desvio de verbas públicas.
Vencida, em parte, a ministra Rosa Weber (relatora), que não recebia a denúncia quanto ao delito de peculato. Pontuava a violação do princípio do contraditório porque a defesa não teve acesso aos dados pertinentes à quebra do sigilo bancário da empresa lesada pela subtração dos recursos.
1. Lei 8.666/1993, art. 89: “Art.89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.”.
2. Lei 8.666/1993, art. 92: “Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei: Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa”.
3. Código Penal, art. 312, § 1º: “Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa. § 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário”.
4. Lei 8.666/1993, art. 65, § 1º: “Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: (...) § 1º O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos”.
Inq 3621/MA, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o ac. Min. Alexandre de Moraes, 28.3.2017. (Inq-3621)
Decisão publicada no Informativo 859 do STF - 2017
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